quinta-feira, 24 de março de 2011

E o combustível é renovável II



Chegou acanhada na porta da sala, trazendo nas mãos um impresso. “Veja se ficou bom”, disse ela. Identificando imediatamente o papel, impulsivamente eu disse: “Ah, mas eu quero o meu com envelope!” Formalismo dispensável, aquela brincadeira doeu, nela e em mim. O gesto de trazer para avaliação o convite de formatura pedia apenas um sorriso, ou algo que traduzisse o orgulho que tenho de vê-la concluir seu desejado curso superior. Tentei consertar, mas o tempo não volta. Passei horas rememorando a trajetória implícita nas palavras impressas de agradecimento a Deus e à família: a caminhada de léguas até a escola primária, o reforço à estatística de evasão escolar na cidade, a conclusão da educação básica junto com a filha mais velha, o diploma de honra ao mérito como melhor aluna do ensino médio... tantos caminhos. Hoje, apesar das viagens a trabalho e da saudade do neto, o título de Bacharel em Serviço Social é um presente que ela se dá no aniversário de 50 anos. E, às vésperas da aposentadoria de servidora pública, persiste em não ser uma amanuense como Belmiro*. “Vai, mãe, ser gauche na vida.”*

E o combustível é renovável


A viagem tem que esperar trocar o carro. O casamento? Melhor comprar a casa primeiro. O corte de cabelo novo será quando mudar de emprego. A louça nova, presente de casamento, será usada somente nas bodas de prata... Adiar sonhos em função da conclusão de outros projetos é ilusão. Sempre teremos projetos concomitantes na vida, e o conflito entre eles é inevitável. Gerenciar os próprios planos é um grande desafio, que torna-se ainda mais complexo quando consideramos que existem diversos grupos de interesses ao nosso redor: familiares, colegas de trabalho, amigos, invejosos... Neste contexto, conhecer-se é importante, estabelecer prioridades é essencial, e dedicar-se com amor às escolhas faz a diferença. Estudar, trabalhar, constituir patrimônio, casar, ter filhos, nessa ordem, representam a estrutura evolutiva padrão da sociedade. Ter desvio-padrão alto sugere estar fora do sistema, seja deixando-se ser levado pelas circunstâncias ou indo de encontro às imposições. O importante não é se a ordem social dos acontecimentos foi seguida. A cronologia do coração é que nos mantém vivos.

“O importante não é o que fazem do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele.” Sartre, em citação de mãe

terça-feira, 15 de março de 2011

Pensamentos elevados, por favor


É tempo de reflexão: para alguns a espera da celebração da ressurreição, para outros a lembrança das estripulias carnavalescas. Cada um, a seu modo, estabelece com este tempo um vínculo de pensamento e mudança de hábitos. A passagem dos meses, das datas comemorativas, das estações, sempre trazem a sensação de possibilidade de mudanças. Cada segunda-feira guarda um regime, toda primavera lembra flores para enfeitar a casa, cada feriado a esperança do amor subir a serra. A efetivação dessas ações depende, inicialmente, da força do pensamento. Se você acreditar que consegue, ou que não consegue, em ambos os casos você estará certo, como dizia Henri Ford. Assim, progressivamente, o exercício do autoconhecimento transforma o momento de introspecção em atemporal. Mas enquanto este nível de elevação mental estiver distante, é válido aproveitar esse tempo para revisões biográficas e planejamentos. Só não vale fazer regime e dizer que é jejum.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Saiba aonde quer chegar



Mulheres têm mais neurônios que os homens: fato. Homens fazem as mesmas coisas com menos neurônios: piada. A diversidade na estrutura cerebral não representa maior ou menor capacidade intelectual por gênero, segundo pesquisas. A mulher apresenta, sim, mais sinapses, o que para a ciência representa maior capacidade de ser multi-tarefas. E essa maior rede de conexões favoreceu... o que mesmo? “Revolução do sutiã”, evolução dos equipamentos domésticos, queda da taxa de natalidade, blogagem coletiva. Iniciou-se a era da “Síndrome do Pato” para muitas mulheres. Diz a lenda que o pato voa, nada e corre, mas nada faz com perfeição devido à falta de dedicação intensiva a uma só atividade. Ponto de vista é só um ponto. Neste mundo de tantos estímulos e oportunidades, dedicar-se intensivamente a ser um pato têm sucesso garantido... lá em casa.

quinta-feira, 3 de março de 2011

A jornada múltipla

O que são as escolhas? Uma vitrine exposta em dia de liquidação, ou uma caixa surpresa enviada por remetente anônimo? O grau de certeza sobre a resposta é inversamente proporcional à extensão da credulidade de quem ouve. Então, decidido! Lançar-me-ei no abismo da incerteza (de risco calculado...), onde a morte da mediocridade é certa, e o fim do dia guarda abraços com cheiro de suor e saudade.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Tempo, tempo


Se a sorte é só nome
e vida consome
a entrega, relute
a fome, revele
e vá buscar
a hora é essa
Desculpa: a pressa?
Desculpe, apressa.

Quebra galho em tempo integral

Profissão é coisa séria. Não cabe a qualquer um querer se meter a executar atividades que compõem o portifólio de serviços de terceiros. Acontece que, de tanto ouvir o pedido de ajuda implícito em grandes discursos de indignação e pequenos suspiros, a falta de forças para dizer “procure um profissional” faz buscar forças para o “faça você mesmo”. Assim que me meti a ser designer de convites. Confesso que mexer em ferramentas no computador me atrai, mas daí a enfrentar o Coreldraw no meio de uma semana super-rotineira é ocupar tempo demais para qualquer profissional de múltipla jornada. Solução de última hora: a net. É ela que me vale na hora do aperto, minha biblioteca, meu shopping do interior, minha consultoria am-pm. A assessoria filial é sempre muito bem paga (mãe tem crédito em estoque), mas às vezes é banda larga, outras vezes nem tanto...