quinta-feira, 24 de março de 2011

E o combustível é renovável II



Chegou acanhada na porta da sala, trazendo nas mãos um impresso. “Veja se ficou bom”, disse ela. Identificando imediatamente o papel, impulsivamente eu disse: “Ah, mas eu quero o meu com envelope!” Formalismo dispensável, aquela brincadeira doeu, nela e em mim. O gesto de trazer para avaliação o convite de formatura pedia apenas um sorriso, ou algo que traduzisse o orgulho que tenho de vê-la concluir seu desejado curso superior. Tentei consertar, mas o tempo não volta. Passei horas rememorando a trajetória implícita nas palavras impressas de agradecimento a Deus e à família: a caminhada de léguas até a escola primária, o reforço à estatística de evasão escolar na cidade, a conclusão da educação básica junto com a filha mais velha, o diploma de honra ao mérito como melhor aluna do ensino médio... tantos caminhos. Hoje, apesar das viagens a trabalho e da saudade do neto, o título de Bacharel em Serviço Social é um presente que ela se dá no aniversário de 50 anos. E, às vésperas da aposentadoria de servidora pública, persiste em não ser uma amanuense como Belmiro*. “Vai, mãe, ser gauche na vida.”*