sexta-feira, 8 de abril de 2011

Histórias de uma mãe sem culpa II

Conhecia bem o percurso, mas dobrou a esquina com olhos de visitante recém-chegada. Já tinha passado por aquele quarteirão diversas vezes, indo e vindo a caminho da escola, do trabalho, do supermercado, do centro comercial, da academia... Sempre morou ali próximo, desde que nascera. Avistou a antiga casa de esquina, onde na infância comprava geladinho. Dificilmente o filho terá oportunidade de comprar um geladinho de fruta tirada do quintal, não se encontram mais pés de manga espada nem donas de casa empreendedoras por aqui. Procurou as árvores na calçada que, em outros tempos, nem a companhia de energia ousava podar, mas que agora não existiam mais. Debaixo delas, uma enlouquecida moradora de rua havia atirado um copo com café quente em seu uniforme da escola, obrigando-a a voltar em casa e pela primeira vez dar explicações por chegar atrasada na escola. “O filho não passará por isso”, pensa ela, “pois nestes tempos ir sozinho para a escola só depois da maioridade!” Assim, percorria as poucas dezenas de metros que separavam uma esquina da outra. Lembranças revisitavam seus olhos, em resgate profundo de detalhes e sentimentos. A iminência da mudança de emprego há dias estava afligindo seus pensamentos, misturando desejo e medo, transformando esse trajeto rotineiro em túnel do tempo. Estava acomodada estabilizada no trabalho atual, satisfatoriamente remunerada, rotina familiar estabelecida e funcionando... Deveria mesmo aceitar o novo desafio? Era isso, o desafio que a estava motivando. A possibilidade de retornar ao primeiro local de trabalho, onze anos depois. A adolescente aprendiz, agora uma profissional de carreira. Quanto queria mostrar que cresceu, que viveu, e ser mais uma vez merecedora das chaves. E o telegrama de chamada não chegava, adiando a confirmação da 1º viagem a dois no feriado. O marido querendo viajar, mas pacientemente esperando o desfecho da indefinição profissional. E o filhote? Dormindo tranquilamente a essa hora (20:17), nem sabe que, em breve, a mãe poderá ser convocada para trabalhar em outra cidade. Que dirá ao filho de 2 anos aos domingos, quando tiver que ir para outra cidade trabalhar a semana toda? Lembra-se dos tempos da faculdade, quando aos domingos despedia da mãe para voltar à cidade onde estudava. E instintivamente olha no retrovisor, visualizando a imagem da família diminuindo junto com o coração. Ôo dúvida... Então decide que quando ele disser “Mamãe, pu que você tem que i trabalhá?”, responderá: “Porque eu preciso e me faz feliz, filho, e assim eu vou ser uma pessoa melhor, para mim e pra você, todos os dias”. Atravessa a esquina, já quase em casa, concluindo os pensamentos. Independente de qual fosse a resposta ao filho, teria que treinar bastante. Nem mesmo os postes da rua estavam acreditando que, diante dos inquisidores olhinhos amendoados, faria cara de esperança para dar veracidade às palavras...